Nada mais confuso que o autismo. Nada mais confuso que o diagnóstico preciso de um autista. Desde 1978, quando foi separado da Esquizofrenia, surgiram os critérios de Rutter para designar os três pilares fundamentais da síndrome: 1-problemas na Comunicação (com ou sem retardamento mental); 2- problemas – atraso ou desvio – na Interação Social (com ou sem retardamento mental) e 3- comportamento incomum (estereotipias e maneirismos.) Os três sendo iniciados (ainda que não identificados) antes dos 30 meses de idade.
Dois manuais de diagnóstico têm sido adotados, desde então. No Brasil, tanto o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), na sua quinta edição, quanto o CID (Classificação Internacional de Doenças), na décima edição, consideram o autismo como um Transtorno do Desenvolvimento.
Enquanto o primeiro, bastante adotado fora do país, incorporou todos os tipos de autismos sob a mesma classificação – Transtorno do Espectro do Autismo -, o segundo segue especificando cada uma das suas subcategorias:
Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno com Hiperneci Associada a Retardo Mental e a Movimentos Estereotipados, Síndrome de Asperger (SdA), Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), Transtornos Globais do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TID-soe.)
Para não complicar o que já é complicado por natureza científica, vou me ater aos subgrupos que mais confusão têm causado, pela quantidade de artigos publicados sobre o tema, nem sempre de fontes acuradas. Estes são:
A Síndrome de Asperger (SdA), o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação (TID-soe) e o autismo leve (ou de alto funcionamento) – este último mencionado no DSM-5 e não mencionado no CID-10, mas que faz parte do jargão nas comunidades autistas brasileiras.
Síndrome de Asperger (SdA)
SdA se destaca pelo comportamento único destes autistas com características tão específicas, que podem ser identificadas, principalmente, em idade escolar devido às limitações na socialização, na comunicação e nas estereotipias/manias. A coordenação motora de pessoas Asperger costuma ser comprometida. O que difere este tipo de autismo dos outros, é a idade cronológica quando adquiriram a linguagem. Desde pequenos, os Aspergers não somente falam e/ ou escrevem muito bem, como também podem usar uma linguagem pomposa, diferente da coloquial. Alguns, inclusive, falam antes de completarem o primeiro ano de idade. No entanto, o jeito de falar é diferente dos neurotípicos – seja pelo uso da linguagem, a entonação e impostação de voz, ausência de contato visual, contato visual inadequado (olha para os lados, ou para cima, mexe com os olhos, enquanto fala ou escuta), expressão facial, expressão corporal, bem como para a comunicação de seus interesses restritos. Vale observar que nem todos são assim, podendo variar de acordo com sua personalidade, criação, e acompanhamento (ou não) na área da comunicação.
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento – sem outra especificação
Os autistas TID-soe, em geral, são diagnosticados após os três anos de idade por terem um quadro que não se ajusta por completo ao autismo (no que concerne à definição dos três pilares para estabelecer o diagnóstico) pelo quadro ser tão diverso. Por exemplo: uma pessoa com Tid-soe pode ser muito sociável, e fazer amizades como uma pessoa neurotípica, mas tem problemas de comunicação ou estereotipias; ou pode não ter estereotipias, mas algum problema de socialização; ou ainda ter problemas na área da comunicação e, não, nas outras duas. Em resumo, possui dois dos tries elementos que caracterizam o diagnóstico no Espectro do Autismo.
O TID-soe é o mais complexo (por ser o mais parecido à neurotipia, talvez) de todos os subgrupos do autismo segundo a classificação do CID-10. O pessoa com Tid-soe também pode desenvolver a linguagem cedo ou mais tarde, enquanto os Aspergers sempre tiveram o surgimento da sua linguagem preservado.
Mais complicado fica quando adicionamos o subgrupo do TID-soe: o MccD, ou seja, Multiplex Complex Developmental Disorder, (Transtorno Complexo Múltiplo do Desenvolvimento), que se caracteriza pela regulação (controle) das emoções. Os autistas TID-soe com este transtorno adicional costumam ter uma fantasia excepcional, podendo confundir fantasia com realidade. Medos irracionais, psicoses e surtos podem acontecer com mais frequência quando há McDD. No entanto, esta subcategoria não é uma classificação oficial.
O TID-soe, pela sua abrangência de manifestações (é classificado pela presença aleatória de dois dos três pilares fundamentais do autismo clássico ou da SdA), é bastante confundido com Asperger, assim como o autismo de alto funcionamento (Q.I. acima de 85.)
Autismo de Alto Funcionamento (AAF) ou Autismo “leve”
Os autistas de alto funcionamento, também chamados “leves”, podem desenvolver a linguagem falada e escrita bem mais tarde, a partir dos dois ou três anos de idade, ao contrario dos Aspergers.
Os pontos onde AAF se diferencia da Síndrome de Asperger são:
– Menor Habilidade verbal que o SdA
– Melhor habilidade visual-espacial do que SvA
– Menor dificuldade motora
– Menor capacidade de imaginar o que o outro sente, ainda que muitos Aspergers tenham desenvolvido estratégias para tal ao longo da vida
– AAF têm mais dificuldades em tornarem-se independentes
– AAF costumam ter mais interesses e curiosidades para mais assuntos do que pessoas Aspergers.
Um exemplo de pessoa autista de alto funcionamento, frequentemente confundida com Asperger é a famosa Temple Grandin.
Aspergers, pessoas com autismo TID-soe e pessoas com AAF são frequentemente equivocados entre si. Não somente por leigos mas, infelizmente, por profissionais. Principalmente quando o diagnóstico é feito em idade escolar, quando os dois tipos já falam e não apresentam dificuldades na área da cognição. Verdade seja dita, a partir de do momento em que autistas de alto funcionamento adquirem linguagem, a linha entre este diagnóstico e o Asperger fica cada vez mais tênue – uma das razões do DSM-5 ter incorporado todas num só Espectro.
É importante observar que as diferenças entre os subgrupos somente serão importantes na hora de encontrar-se tratamentos para as dificuldades presentes de cada indivíduo autista. Não havendo razão para tal, tampouco há motivo para discutir-se a definição precisa, mesmo porque no futuro todos os subgrupos tenderão a sumir, fazendo valer a denominação classificada no DSM.
Pais devem estar cientes de que não existe vantagem em ter-se um diagnóstico Asperger. As dificuldades que encontram no decorrer da vida podem ser muito impactantes. Ao contrário, autistas mais severos, quando bem acompanhados e com suas comorbidades sob controle, podem viver uma vida bastante satisfatória, em relação a autistas ditos “leves” ou os com a Síndrome de Asperger.
O ponto positivo é saber que a pessoa autista sempre irá se desenvolver, independente de seu diagnóstico. Este nunca deve limitar o seu potencial, ao contrário, fornecer as ferramentas básicas para que seja exercido seu direito à igualdade.
Seja qual for o diagnóstico – e seja este acurado ou não -, o foco deve ser sempre no bem estar da pessoa autista e nas suas possibilidades:
- O que a faz sentir-se bem?
- Como facilitar métodos que a façam sentir-se bem?
- O que é preciso agora para proporcionar este estado?
- O que a família pode fazer?
- O que a sociedade pode fazer?
Os autistas são muito mais que uma etiqueta e pasta de arquivo.
Referencias bibliográficas:
Rutter, M. https://link.springer.com/article/10.1007%2FBF01537863?LI=true
Nederlandse Vereniging voor Autisme www.autisme.nl
APA – American Psychiatric Associacion www.psychiatry.org www.dsm-5.nl
*Fatima de Kwant é jornalista e mãe de um autista adulto de alto funcionamento. Formou-se em Transtornos do Desenvolvimento e Autismo, sendo especialista em Autismo & Comunicação, Autismo & Desenvolvimento e Autismo & Sexualidade. Fatima reside com sua família na Holanda, onde é ativista internacional pelos direitos das pessoas autistas.