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As terapias comportamentais: Um mar de siglas

As terapias comportamentais são ferramentas bastante populares de intervenção, nos dias de hoje. No entanto, para muitos estudantes e profissionais que estão recém iniciando seus estudos em Análise do Comportamento e terapias comportamentais, a quantidade de modelos e siglas parece mais confundir que facilitar sua compreensão. Embora derivem da mesma epistemologia, as diversas terapias comportamentais apresentam importantes particularidades que as tornam únicas. Este breve artigo se propõe a apresentar, mesmo de forma bastante resumida, algumas das principais terapias comportamentais, e suas concordâncias e discordâncias. As siglas mais utilizadas serão apresentadas no decorrer do texto e ao final, para facilitar a leitura. Para tal, dois cenários se fazem importantes para nós brasileiros, sejamos terapeutas, estudantes ou clientes: as Ondas/Gerações Americanas, classificadas assim por Hayes (2004) e a Terapia Analítico-Comportamental genuinamente brasileira (Guilhardi, 2012; Leonardi, 2015).

As ondas das terapias comportamentais americanas de acordo com Hayes

1ª onda. Terapias de modificação do comportamento e terapias comportamentais

Joseph Wolpe
Joseph Wolpe

As terapias comportamentais têm, desde seu desenvolvimento, compromisso com aspectos empíricos e com intervenções baseadas em evidências. Desta forma as primeiras terapias comportamentais foram desenvolvidas justamente para contrapor os modelos não-empíricos de clínica vigentes em meados da década de 1960 (Hayes, 2004). As principais influências para estas primeiras terapias comportamentais nos EUA vieram dos estudos de Pavlov sobre condicionamento respondente e sobre o condicionamento operante de Skinner, e foram inicialmente aplicadas longe do setting de consultórios, em laboratórios ou ambientes institucionalizados com foco na adaptabilidade do cliente. A Análise Comportamental Aplicada (ABA) se desenvolveu nesta época (Cooper, Heron, & Heward, 2007), mas foi com o sucesso no tratamento de pacientes do espectro autista com Lovass (1987) que o modelo passou a ser conhecido como uma das principais ferramentas de intervenções para o quadro. Muitas intervenções amplamente utilizadas na atualidade são oriundas desta “primeira onda”, em especial a técnica da Dessensibilização Sistemática de Wolpe, utilizada em inúmeros quadros fóbicos e de ansiedade (Leonardi, 2015).

2ª onda. As terapias cognitivas e cognitivo-comportamentais (TCC)

Adaptação do modelo ABC de Beck à FECT
Adaptação do modelo ABC de Beck à FECT

Em meados da década de 1970 diversos teóricos apontaram para a limitação dos conceitos comportamentais em abordar os eventos privados, especialmente na clínica comportamental da época. Desta forma o modelo cognitivo toma a frente na explicação dos processos ditos mentais (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979). Importante salientar que o “comportamental” da sigla TCC está relacionado a algumas técnicas herdadas das terapias de modificação de comportamento, no entanto a epistemologia cognitiva é oposta à epistemologia comportamental, de forma que a formulação de caso, objetivos terapêuticos, desfechos e até mesmo técnicas de uma e de outra são muitas vezes incongruentes e tendem a ter uma conversa transteórica bastante turbulenta e polêmica (Skinner, 1977). Porém, em função do “comportamental” do nome muitas vezes a TCC é confundida com as terapias comportamentais, mesmo não partilhando pontos em comuns suficientes para uma aproximação (exceto nas adaptações como a Terapia Cognitiva Aprimorada por FAP – FECT (Kanter, Tsai, & Kohlenberg, 2010)). No entanto é um dos modelos com maior corpo de evidências no campo das terapias (Hofmann, Asnaani, Vonk, Sawyer, & Fang, 2012).

3ª onda. Terapias comportamentais contextuais

Em um esforço para retomar conceitos básicos da análise do comportamento de Skinner voltados à prática clínica, Hayes se volta ao modelo operante, ampliando conceitos do comportamento verbal para acessar alguns processos linguísticos amplamente abordados pela ciência cognitiva (Hayes, 2004; Lucena-Santos, Pinto-Gouveia, & Oliveira, 2015). Esta nova formulação de linguagem, a Teoria das Molduras Relacionais (RFT), passa a coexistir com os outros construtos do Behaviorismo Radical, formando o que Hayes denominou de Contextualismo Funcional. O foco permanece na função dos comportamentos, sendo um modelo ambientalista e construtivista de repertório, porém com a adição da RFT.

Hexaflex, ferramenta de avaliação e intervenção da ACT

Embora a RFT esteja longe de ser consensual na comunidade behaviorista (Guilhardi, 2012), ela se tornou a base para uma das terapias mais conhecidas desta nova onda, a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (Hayes, 2004). Com foco nas estratégias de aceitação e mudança, e com a aproximação de conceitos da Filosofia Zen, como o  Mindfulness, a ACT tem como principal foco a função dos comportamentos através da ampliação de repertórios governados por reforçadores de grande magnitude (as ações de compromisso com valores) e da redução da esquiva das experiências aversivas privadas, que muitas vezes dificulta ou até mesmo impede o acesso e discriminação de contextos reforçadores. Apesar do seu foco funcional e contextual, a ACT não está livre de polêmica em função de muitos conceitos soarem mentalistas, em especial a Fusão Cognitiva (quando o indivíduo passa a ter seu comportamento amplamente governado por regras e menos por contingência, conforme descritas pela RFT (Törneke, Barnes-Holmes, & Hayes, 2010)) e outros termos usados em divulgação do modelo, como “mente” (Ler (Valentim, 2015) para uma discussão).

ANALISE EM CADEIA
Análise em Cadeia (DBT)

Na década de 1980, Marsha Linehan formula o que seria uma das terapias comportamentais com maior aporte em evidências, a Terapia Comportamental Dialética (DBT) (Dornelles & Sayago, 2015; Robins, Schmidt III, & Linehan, 2004). Inicialmente focada no atendimento de clientes suicidas e com a Personalidade Borderline, seu espectro de indicações se expandiu nas últimas décadas, atingindo populações de diferentes quadros, comodependência química, transtornos alimentares, depressão na terceira idade, entre outros (Linehan, 2014). A DBT alia estratégias de mudança, através das ferramentas comportamentais e de aceitação e validação, através de preceitos da filosofia Zen, como o Mindfulness, cujo foco é promover uma vida que vale a pena ser vivida. O tratamento-padrão é constituído pela terapia individual e por um programa de treinamento de habilidades dividido em quatro módulos: Mindfulness, Regulação Emocional, Efetividade Interpessoal e Tolerância ao Mal-Estar (Linehan, 2014).

FAP - Modelo ACL
FAP – Modelo ACL

A partir dos pressupostos básicos do Behaviorismo Radical, Kohlenberg e Tsai desenvolveram uma intervenção cujo foco é a contingência da relação terapêutica, a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) (Tsai et al., 2008). A FAP surgiu como uma importante ferramenta na potencialização de outras terapias, como a TCC a partir da FECT, e logo passou a desempenhar por si só um papel crucial no entendimento dos processos comportamentais subjacentes à relação terapêutica (Kanter et al., 2010). A intervenção da FAP no modelo Atenção, Coragem e Amor (ACL) se utiliza das cinco regras básicas: 1) estar atento aos ComportamentosClinicamente Relevantes (CCR); 2) Evocar CCRs; 3) responder naturalmente aos CCRs de forma reforçadora; 4) Observar efeito das intervenções; e 5) promover análises funcionais e generalização. A principal indicação da FAP são as dificuldades interpessoais, podendo ser utilizada juntamente com outras terapias comportamentais, como a ACT (através da FACT), a DBT  e a IBCT, assim como outras terapias, como as Terapias Feministas e a Terapia Cognitiva (ler Passos, 2015) para uma revisão).

Juntamente a estas terapias outros modelos comportamentais foram desenvolvidos, como a Ativação Comportamental (BA) e a Terapia Comportamental Integrativa de Casais (IBCT). A BA é um modelo desenvolvido a partir do braço comportamental da TCC a partir de estudos que demonstraram grande evidência de processos terapêutico nas ferramentas comportamentais em comparação com as cognitivas no tratamento da depressão (Martell, Dimidjian, & Herman-Dunn, 2013). A BA é uma técnica que visa ativar comportamentos do cliente que forneçam a ele reforçadores positivos, geralmente carentes no curso da depressão (Ferster, 1973). Já a IBCT é uma terapia que alia tanto focos comportamentais quanto de aceitação e Mindfulness. A IBCT herda da Terapia Comportamental Tradicional de Casal (TBCT) as intervenções com o objetivo de desenvolver  repertórios no casal que visa uma vida conjugal mais saudável, assim como a resolução de determinadas contingências aversivas da relação (Christensen, Sevier, Simpson, & Gattis, 2004). Grande parte do trabalho da IBCT visa compreender e fortalecer os aspectos que promovem a união, tolerância, comunicação e empatia do casal.

Estas terapias, de forma geral, tendem a “conversar” bastante bem entre si. Alguns modelos podem ser utilizados com outros, e de forma geral todos utilizam a análise funcional como guia básico para formulação de caso e intervenção, embora isto nem sempre fique claro ao primeiro olhar. Outro ponto importante é que em maior ou menor grau, todas as terapias comportamentais contextuais tendem a utilizar ferramentas baseadas em Mindfulness, desde práticas de atenção plena, até preceitos técnicos como as intervenções dialéticas (Hayes, 2004; Lucena-Santos et al., 2015). Por fim, o nome “terceira onda/geração” é descontextualizado no Brasil, visto que as terapias comportamentais de orientação operante são praticadas desde as décadas de 1960 e 1970, antes mesmo da formulação das terapias comportamentais contextuais (Guilhardi, 2012; Leonardi, 2015).

O braço brasileiro das terapias comportamentais

Enquanto nos EUA e no mundo, nas décadas de 1960 e 1970 a análise do comportamento estava focada nas intervenções com pacientes institucionalizados ou fora de consultório (primeira onda) dando espaço para a TCC se desenvolver de forma acentuada, no Brasil a história é outra (Leonardi, 2015). Trazida por Fred Keller na década de 60, diversos estudantes passaram a se interessar pelo modelo que trazia consigo investigações empíricas de base, diferentemente dos outros modelos de psicologia da época. A partir dos estudos básicos e literatura do próprio Skinner, estes estudantes passaram a aplicar os conceitos comportamentais na contingência da terapia e a desenvolver este modelo (Guilhardi, 2012; Leonardi, 2015). Inicialmente a terapia comportamental brasileira recebeu inúmeras classificações, e foi só no início do século XXI que o modelo desenvolvido no país foi nominado como Terapia Analítico-Comportamental (TAC). Outro nome que designa a terapia brasileira é a Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR), desenvolvida e mantida pela equipe de Hélio Guilhardi (Guilhardi, 2012). Ambos os modelos apresentam fidelidade ao behaviorismo Radical com relação às nomenclaturas e explicação dos processos terapêuticos, embora algumas aproximações tem sido feitas às terapias comportamentais contextuais (de-Farias & cols., 2010).

Fortemente embasada na análise funcional do comportamento, a TAC tem como objetivo o desenvolvimento de repertórios que promovam qualidade de vida através dos princípios da modelagem. Desde a década de 1990 estudos de processos vêm sendo desenvolvidos no intuito de promover evidências às ferramentas comportamentais utilizadas há décadas desde as primeiras atuações da TAC.

Diálogos possíveis

Criadores e Desenvolvedores das Terapias Comportamentais. Da esquerda para a direita, na primeira linha: Hayes, Tsai, Kohlenberg, Linehan, Callaghan e Guilhardi; na segunda linha: Wilson, Schoendorff, Kanter, Olaz, Koerner e Meyer

As várias terapias comportamentais apresentadas partilham sua base epistemológica no Behaviorismo Radical, no entanto nem sempre a comunicação entre os profissionais e pesquisadores praticantes destas terapias é tranquila. A presença de Mindfulness e o uso de terminologias mentalistas, como mente, cognição, dentre outras geram importantes discussões sobre a validade de determinados modelos, em especial as terapias comportamentais contextuais, como baseados na análise do comportamento. No entanto, estas dissonâncias são importantes no campo da prática e da pesquisa, visto que a variabilidade de intervenções e terminologias é o que mantém o campo vivo para novas aplicações e tecnologias. A própria variação no que tange as intervenções é importante, já que cada modelo possui suas próprias indicações e contraindicações.

A proximidade epistemológica das intervenções comportamentais, no entanto, promove o enriquecimento da prática clínica através da inclusão de ferramentas e aprimoramento de intervenção oriundos de outro modelo, como ocorre com a FAP. Pode-se especular que no futuro das terapias comportamentais se deva buscar mais aproximações que distanciamentos, de forma que um dos pontos cruciais das terapias comportamentais se mantenha presente: os estudos constantes em busca de evidência.

Siglas:

ACL – Awareness, Courage and Love – Atenção, Coragem e Amor

ACT – Acceptance and Commitment Therapy – Terapia de Aceitação e Compromisso

BA – Behavioral Activation – Ativação Comportamental

CBS – Contextual Behavior Sciences – Ciências Comportamentais Contextuais

CCR / CRB – Clinically Relevant Behavior – Comportamento Clinicamente Relevante

DBT – Dialectical Behavior Therapy – Terapia Comportamental Dialética

FACT – Terapia de Aceitação e Compromisso Aprimorada por FAP

FAP – Functional Analytic Psychotherapy – Psicoterapia Analítica Funcional

FECT – Terapia Cognitiva Aprimorada por FAP

IBCT – Integrative Behavioral Couple Therapy – Terapia Comportamental Integrativa de Casais

RFT – Relational Frame Theory – Teoria das Molduras Relacionais

TAC – Terapia Analítico-Comportamental

TBCT – Traditional Behavioral Couple Therapy – Terapia Comportamental Tradicional de Casais

TCC / CBT – Cognitive Behavioral Therapy  – Terapia Cognitivo-Comportamental

TCR – Terapia por Contingências de Reforçamento

Via Comporte-se

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