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Para antecipar a alfabetização, é preciso ter pacto com a qualidade

A terceira e última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) entregue pelo Ministério da Educação (MEC) para análise final do Conselho Nacional de Educação (CNE) trouxe uma mudança em relação a alfabetização.

O documento traz grafado que “nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos se apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramento”.

A alteração antecipa o compromisso do país com o processo alfabetizador. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) considera alfabetizar até os oito anos de idade; já o Plano Nacional de Educação (PNE), em sua meta 5, grafa que a alfabetização deve acontecer “no máximo, até o terceiro ano do Ensino Fundamental”.

A mudança reacendeu o debate acerca da qualidade da alfabetização e das condições necessárias para que ela se efetive. Mesmo com pontos de vista diferentes, especialistas alertam que, sem os devidos investimentos e sem considerar as especificidades de cada criança, a antecipação pode ser excludente e decisiva para o fracasso escolar.

Uma questão de compromisso

Para o gerente de conteúdo do Todos pela Educação, Ricardo Falzetta, a alteração no texto não traz grandes preocupações. “Se considerarmos a resolução do CNE – que considera que as crianças devem completar seis anos até 31 de março do ano vigente para ingressar no ensino fundamental – veremos que, no final do segundo ano, os estudantes terão quase oito anos completos”, observa.

No entanto, entende que isso não exime o debate sobre a qualidade pretendida. “Precisamos entender de que alfabetização estamos falando. Se a entendermos apenas como decodificação de letras e sílabas, ela será prejudicial em qualquer idade, por não trazer o compromisso com a formação de um escritor e leitor crítico, capaz de entender a leitura e escrita como uma prática social, como parte do direito cidadão”, atesta.

Superar a concepção reducionista da alfabetização também é central para a formadora e coordenadora de projetos de arte do Instituto Avisa Lá, Denise Nalini. A especialista afirma que a qualidade no processo de alfabetização é proporcional ao tipo de oferta que é dada à criança desde a primeira infância.

“Desde bem pequenas, as crianças adoram ler e escrever do jeito delas, nas concepções que elas têm. E apoiamos isso ao valorizarmos a criatividade, o contato com histórias, a descoberta do mundo. Com repertório, elas vão se alfabetizar sem problemas”, observa, ao defender, sobretudo, a oferta de uma educação infantil significativa.

Desafios e pontos de atenção

Ainda assim, não faltam desafios para o país quando o assunto é alfabetização. Dados do MEC, utilizados pelo Observatório do PNE, aferem que, em 2014, 77,8% das crianças do terceiro ano do Fundamental tinham aprendizagem adequada em leitura; e 65,5% tinham aprendizagem adequada em escrita.

Para os especialistas, a universalização pretendida não pode ser pensada longe dos esforços no âmbito das políticas educacionais, que visem, por exemplo, a qualificação da formação docente e da infraestrutura das escolas.

Ela também precisa levar em conta a especificidade de cada criança, ponto que preocupa a diretora da Fundação SM, Pilar Lacerda. “As crianças pobres têm oportunidades de aprendizagem diferentes das crianças ricas. Muitas vezes, as mais pobres começam a trilhar aos seis anos de idade um percurso que as demais já fizeram na primeira infância. Mas isso não significa que elas não poderão aprender”, observa.

Pilar receia que a antecipação da alfabetização seja mais uma forma de reprovar as crianças e contribua com o fracasso escolar. “A distorção idade-série é uma das grandes causas do abandono da escola. Por isso, precisamos ter delicadeza frente aos casos de crianças que não se alfabetizarem até o final do segundo ano”, avalia.

Alfabetizar é mais do que decodificar letras do alfabeto

A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Carmem Silveira Barbosa, também reforça que o processo de alfabetização não tem data de início e término. “Ele tem a ver com o momento da criança e não com um decreto”, afirma.

A docente também enuncia alguns pontos de atenção com a antecipação da alfabetização proposta pela BNCC. “Receio que os professores dos anos iniciais do Fundamental, com medo que as crianças não aprendam, demandem uma alfabetização precoce, que recairia sobre a Educação Infantil”, problematiza.

Para ela, qualquer experiência nesta etapa da vida que tenha como fim a alfabetização é um equívoco. “Acho que as pessoas que elaboraram esta terceira versão da Base estão pensando mais nos conteúdos que serão transmitidos, e menos nas escolas que lidam diariamente com crianças em formação”, finaliza.

Via Carta Educação

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