Parar. Respirar fundo. Afastar pensamentos ruins. Controlar o nervosismo. Ações que até parecem simples, mas podem ser quase impossíveis para mais de 18 milhões de brasileiros. É essa a quantidade de pessoas que sofrem com transtornos de ansiedade no Brasil: 9,3% da população, quase três vezes mais que a média mundial, que fica em torno de 3,6%. Pontuação que deixou o país no topo da lista de nações com maior percentual de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS), que divulgou recentemente estudo mostrando que 264 milhões de pessoas sofrem de ansiedade em todo o mundo.
Todos nós já sentimos o impacto da ansiedade em nossas vidas. A pressão de uma prova, de um prazo, de uma reunião no trabalho, de pegar um voo ou de uma entrevista de emprego não é novidade nem anormalidade para ninguém. O problema é quando esse sentimento fica desproporcional à sua causa, se manifestando de maneira intensa, irrealista e prolongada, exercendo uma influência direta e, muitas vezes, prejudicial na vida da pessoa.
“A ansiedade é um fenômeno que ora nos beneficia, ora nos prejudica. Dependendo das circunstâncias ou intensidade, ela é patológica, isto é, prejudicial ao nosso funcionamento psíquico (mental) e somático (corporal) quando nos interdita ou atrapalha o funcionamento normal no trabalho, na família e na sociedade. Ela pode estimular a pessoa a entrar em ação. Porém, em excesso, faz exatamente o contrário, impedindo reações”, explica a psicóloga clínica e psicanalista Sônia Eustáquia da Fonseca, frisando que os transtornos de ansiedade são doenças relacionadas ao funcionamento do corpo e às experiências de vida, juntos.
A OMS define a ansiedade como o sentimento constante de preocupação, incapacidade e medo. A quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, mais conhecido como DSM, uma tentativa de classificar as condições psicopatológicas mais comuns na população, separa o transtorno de ansiedade em sete tipos, de acordo com os sintomas sentidos: transtorno do pânico, transtorno de ansiedade social, fobias específicas, agorafobia, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade de separação e mutismo seletivo. São sintomas que se manifestam de maneira muito mais intensa do que aquela ansiedade normal do dia a dia.
De acordo com a especialista, eles aparecem como tensões ou medos exagerados, sensação contínua de que um desastre ou algo muito ruim vai acontecer, preocupação exagerada com saúde, dinheiro, família ou trabalho, medo extremo de algum objeto ou situação em particular, receio exagerado de ser humilhado publicamente, pavor após uma situação muito difícil e falta de controle sobre pensamentos e atitudes, que podem se repetir, independentemente da vontade.
Portador de déficit de atenção, o empresário Lucas Ribeiro, de 27 anos, convive com a ansiedade e o estresse, que resultam em crises depressivas. Ele conta as dificuldades de levar adiante estudos, trabalho e até mesmo o relacionamento com as pessoas. Após um episódio forte de ansiedade, ele procurou ajuda especializada para enfrentar os problemas.
Em estado de alerta
Entender a ansiedade e encará-la é a chave para lidar com os transtornos de forma saudável e assertiva. Ajuda de especialista facilita a superação de problemas
Fisicamente, a pessoa com transtorno de ansiedade pode ter náusea, taquicardia e problemas de sono. Em crise, pode nem conseguir sair de casa. Foi o que Michelle Cozzi, de 23 anos, sentiu na pele quando sofreu sua primeira crise: “Há cinco anos, eu estava nos primeiros períodos da faculdade ambientando-me com a novidade toda. Do nada, no meio de uma aula, comecei a passar terrivelmente mal. Eu tremia, suava, sentia dor no peito e ânsia de vômito. Para ajudar, uma moça da minha sala disse que poderia ser infarto, então corri para o hospital. Fiz todos os exames, fiquei lá até 3h e, no fim, o médico disse que meu coração estava perfeito. Falou que era estresse e que eu precisava relaxar, que estava muito nova pra isso”, conta Michelle.
Quando começou a ter insônia e não conseguir fazer mais nada direito por causa da exaustão, Michelle percebeu que se tratava de algo mais sério. “Foi quando, há um ano, descobri que tenho transtorno de ansiedade. É horrível e, infelizmente, muitas vezes a gente não tem consciência do que está acontecendo. Fui procurar tratamento para insônia, sem nem saber o que era ansiedade. Pensava que ansiedade era um estado emocional, como quando estava irritada, nervosa, chateada… Algo volátil.”
Estudante de direito, Michelle vê o transtorno agindo diretamente em sua rotina. “Sempre adoeço depois das semanas de provas, minha imunidade cai. Já cheguei a fazer prova passando mal, quase vomitando. Meu namorado teve que me levar para um lugar mais ventilado e ficou comigo até eu ficar mais calma. É algo contra o que a gente tem que lutar o tempo todo, mas há ferramentas que fazem a luta mental ficar mais fácil.” Para lidar com o problema, Michelle encontrou na acupuntura, na fitoterapia e na mudança de hábitos alimentares um alento para os sintomas, o que tem ajudado para que as crises sejam cada vez mais raras.
FORMAS DE ABORDAGEM
Entender o problema e encará-lo é a chave para lidar com os transtornos de uma forma saudável e assertiva. Mas fazer isso não é nada fácil. Por isso, a ajuda profissional é tão importante, já que o tratamento com medicamentos depende de cada caso e de cada grau. A abordagem também pode ser psicoterapêutica. O ideal, segundo a psicóloga Sônia Eustáquia, é que ambos sejam associados com atividades físicas. É muito importante que o paciente se foque também em atividades que lhe proporcionem prazer e ativem sua vontade de reação, trazendo energia ou relaxamento.
Essa é a aposta de André Moreira, que sofre com seu nível de estresse e ansiedade. “Tenho trabalhado muito comigo mesmo para controlar isso. Tem dado certo com o estresse, já que antes eu era supernervoso com tudo e agora consigo lidar bem com as coisas. Mas a ansiedade continua alta, é algo mais difícil de controlar. Enquanto não vejo as coisas andando do jeitinho que eu quero, fico pilhado”, conta o agente de viagens, que já chegou a se atrapalhar no trabalho justamente pela ânsia de fazer tudo certo.
Para driblar os sintomas que sente, como inquietação, dificuldade de concentração e insônia, o agente de viagens recorre à música e a momentos de confraternização com a namorada, a família e os amigos. “Tocar bateria me alivia muito, assim como ler. Sempre procuro fazer coisas que me relaxam, assim me distraio”, diz.
A música é de fato uma grande aliada contra a ansiedade. Tanto que a organização britânica Mindlab, focada em estudos referentes ao impacto que a comunicação exerce sobre o nosso cérebro, montou uma playlist sob medida para quem busca combater esse mal. Para chegar às 10 músicas listadas, os cientistas analisaram um grupo de pessoas que tinham que realizar tarefas especialmente elaboradas para induzir certos níveis de estresse. As atividades tinham que ser feitas o mais rápido possível, ao mesmo tempo em que eles ouviam uma série de músicas. Enquanto isso, suas atividades cerebrais, batimento cardíaco, pressão arterial e respiração eram medidos.
A música de maior efeito sobre os voluntários foi Weightless, do grupo Marconi Union. Não por acaso, essa faixa foi composta em parceria com a British Academy of Sound Therapy, justamente para proporcionar relaxamento. Segundo o estudo realizado pela Mindlab, o som de Weightless é capaz de reduzir a ansiedade em até 65%.
A lista segue com Electra, de Airstream; Mellomaniac (Chill out mix), de DJ Shah; Watermark, de Enya; Strawberry swing, de Coldplay; Please don’t go, de Barcelona; Pure shores, de All Saints; Someone like you, de Adele; Canzonetta sull’aria’, de Mozart; e We can fly, de Rue du Soleil (Café Del Mar).
A ansiedade e as mulheres
Em um mundo tão exigente, as mulheres ficam mais suscetíveis a transtornos mentais do que os homens. Um estudo da Universidade de Cambridge, que analisou mais de mil artigos e pesquisas sobre ansiedade e depressão publicados desde 1999, mostra que o transtorno de ansiedade é duas vezes mais comum no sexo feminino. E o número independe de qualquer outra questão, como classe social, etnia e localização no mundo. “Problemas psicológicos não são nada incomuns. Na verdade, segundo a OMS, eles atingem uma a cada três pessoas no mundo. Entre as mulheres, 42% sofrem com a ansiedade, enquanto para os homens o número cai quase pela metade: 29%”, diz a psicóloga Sônia Eustáquia.
Difícil é manter o foco
Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade é subestimado e causa sofrimento em quem sofre com a doença, por não conseguir executar tarefas como organizar a rotina
“Isso aí é coisa de criança.” Essa é uma das afirmações mais recorrentes quando o assunto é transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). E é um grande equívoco também. Em inúmeros casos, o TDAH não é constatado na infância e os sintomas persistem até a vida adulta. Organizar o dia a dia, planejar o futuro e manter o emprego, por exemplo, são tarefas quase impossíveis para quem sofre com o transtorno.
Muitas vezes subestimado, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade vai muito além da falta de atenção, como explica Paula Assis, psicóloga, terapeuta comportamental e coach psychologist. “Trata-se de um transtorno neurobiológico de causa genética. Ou seja, há uma alteração no cérebro do portador. Uma recente pesquisa, feita por meio de exames de neuroimagem, mostrou que ocorre um atraso no desenvolvimento das regiões do cérebro responsáveis pelas emoções, motivação e sistema de recompensas. Na vida adulta pode causar problemas, como o fracasso acadêmico, abuso de álcool e outras drogas, dificuldades em relacionamentos afetivos e convívio social. Portanto, se diagnosticado e tratado logo na infância, o quanto antes, a criança poderá desenvolver uma vida adulta com mais tranquilidade”, diz.
Segundo a especialista, de forma geral, o TDAH se estabiliza na vida adulta, mas alguns sintomas podem permanecer. Desatenção, desorganização, dificuldades com a memória, inquietude e impulsividade são os principais deles, afetando a qualidade de vida do paciente nas esferas afetiva, social, laborativa, acadêmica e/ou profissional. Dificuldade de se planejar e terminar projetos, administrar o tempo, lembrar-se de datas e compromissos importantes são coisas recorrentes na vida de um portador.
Em muitos casos, tais sintomas podem gerar também outros transtornos, como ansiedade e depressão. Lucas Ribeiro, de 27 anos, resume sua experiência como uma “ansiedade que resulta em estresse, que resulta em crises depressivas”. Portador de déficit de atenção, o empresário sente na pele as dificuldades impostas pela condição. “Larguei um estágio bom que tinha, tranquei a faculdade com quatro períodos concluídos e não consegui completar mais nenhum semestre, mesmo tentando. Quando estou em algum momento mais delicado, meu trabalho não rende e minha motivação cai drasticamente, até mesmo para fazer as coisas mais simples e diárias, inclusive conviver com as pessoas”, conta.
Os sintomas do TDAH o acompanham desde criança, e costumam variar de intensidade. Quando sente que as coisas estão mais pesadas, não hesita em procurar ajuda profissional. Há um ano, resolveu manter um tratamento com medicação, após sofrer uma grave crise de ansiedade. “Quando percebi que não estava conseguindo ficar em sociedade e estava colocando a minha saúde mental em risco, resolvi procurar um psiquiatra. Eu dormia cerca de 12 horas por dia. Saía apenas para trabalhar e, quando estava em casa, só ficava deitado. Não conseguia fazer mais nada. Não estava me comunicando nem mesmo com os amigos mais próximos”, diz Lucas, que também encontra na música um escape para os transtornos.
TRATAMENTO
Ter um hobby, mudar a rotina e ter disciplina para organizar as atividades diárias são coisas essenciais no tratamento do transtorno de atenção. O ideal é que haja o acompanhamento de um psicólogo especializado. A medicação deve ser prescrita e acompanhada por um médico. É preciso ter cautela, já que os medicamentos causam efeitos colaterais e, às vezes, são receitados para quem não precisa deles. Por isso, o diagnóstico clínico precisa ser claro, baseado nos sintomas e em exames neurológicos, se necessário. “Vale ressaltar a importância de uma equipe multidisciplinar para fechar o diagnóstico, como psicólogos, psiquiatras e neurologistas”, indica a psicóloga Paula Assis.
Ajudando e sendo ajudado
Por causa das consequências que o TDAH pode causar na vida de um portador, muitos pacientes preferem se fechar em relação ao assunto. Assim como ocorre com as crianças, muitas vezes tachadas de bagunceiras, preguiçosas e mal-educadas, os adultos que sofrem com o déficit de atenção e hiperatividade também podem ser classificados como pessoas enroladas, desorganizadas e até irresponsáveis. Sendo assim, muitos acabam escondendo o transtorno por acabar acreditando que “não são pessoas normais”.
Yuri Maia foi na contramão e, em 2015, criou um canal no YouTube e uma página no Facebook para contar sua história. Diagnosticado desde os 6 anos de idade, teve a ideia de falar abertamente sobre o transtorno em uma sessão de terapia, ao perceber como o TDAH atuava diretamente em quase tudo na sua vida.
Tudo começou sem muita pretensão. Porém, com o tempo e a forma como as pessoas iam comentando e dando feedbacks, ele notou que estava contribuindo para ajudar quem hoje vive o que ele já viveu e superou no passado. “Ao compartilhar minha história, dando dicas e exemplos de coisas que funcionaram e não funcionaram comigo, percebi que estava ajudando muita gente, especialmente pais de crianças com TDAH que, geralmente, são os que mais sofrem pela desinformação e por não saber lidar direito com o transtorno”, conta. Desde então, Yuri passou a estudar o tema com profundidade. De lá pra cá, um ano e meio de estudos diários sobre tudo o que envolve o déficit de atenção e hiperatividade.
Para ele, o traço mais presente é a desatenção, que alguns chamam de falta de foco. “Já vi em alguns trabalhos acadêmicos a palavra hipervigilância, que para mim faz mais sentido. Nesse estado, conseguimos ter muito foco em diversos pontos focais, por um curto período de tempo. Isso, para tarefas cotidianas que não estimulam nossa mente, é um grande problema, pois fica muito difícil perseverar nas tarefas mais triviais.” Outros pontos citados são a hiperatividade, que dificulta o relaxamento e gera impulsividade, a dificuldade de lidar com as frustrações e a necessidade de recompensa imediata sobre os atos.
A página e o canal TDAH Descomplicado somam quase 50 mil curtidas e mais de 140 mil visualizações. Dois espaços criados para revelar, em testemunho, o dia a dia de um real portador de TDAH. Hoje, o objetivo de Yuri é que seus compartilhamentos sirvam de inspiração, estudo, desabafo, identificação, diversão e conhecimento sobre o transtorno. Tudo mantido com regularidade e disciplina, grandes conquistas para quem enfrenta esse problema.
Via Uai.com.br