O Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do desenvolvimento caracterizado por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que podem se associar a comprometimento funcional amplo, incluindo vida acadêmica, social, familiar, entre outras áreas. Os critérios propostos pelo sistema DSM-5 – assim como no antigo DSM-IV – exigem que os sintomas estejam presentes em diferentes ambientes para que o diagnóstico seja realizado (Associação Americana de Psiquiatria, 2014). Apesar de notícias equivocadas e opiniões sem embasamento científico, a maior parte dos indivíduos com TDAH em nosso país continuam sem receber o tratamento adequado (Mattos e cols, 2012). Como todo problema complexo, existem diferentes razões para a dificuldade de identificar indivíduos com o transtorno, porém neste artigo concentraremos esforços em apenas uma das possíveis soluções este problema.
Professores de ensino fundamental e médio podem ter papel fundamental para ajudar a reverter este panorama. É evidente que crianças e adolescentes com TDAH são capazes de prestar atenção em algumas situações, especialmente aquelas que envolvem tarefas prazerosas (jogos eletrônicos, por exemplo). Também é evidente que a desatenção – ou mesmo a hiperatividade – se tornará mais proeminente nas situações de maior demanda cognitiva, como atividades em sala de aula. Mesmo em casos nos quais os pais são capazes de perceber os sintomas na interação dentro de casa, apenas um ambiente não é suficiente para o diagnóstico o que reitera a importância de conhecer os comportamentos apresentados na escola.
Países como os Estados Unidos já vivem a experiência de ter professores como grandes solicitantes de avaliação médica por suspeita de TDAH e/ou outros transtornos específicos. Um estudo realizado na capital estadunidense revelou que até 46,4% dos diagnósticos infantis de TDAH ocorriam após suspeitas aventadas por professores – em apenas 30,2% dos casos, os pais foram os primeiros a suspeitar (Sax e Kautz, 2003). Ressalta-se que o papel dos professores era apenas de indicar investigação clínica para as crianças e adolescentes, não havendo qualquer responsabilidade com o diagnóstico, que era realizado por médicos. Estes achados podem ser discrepantes da realizada brasileira, uma vez que por aqui o conhecimento sobre o transtorno é escasso em diferentes grupos de profissionais, incluindo educadores e diferentes profissionais de saúde. Gomes e outros pesquisadores (2007) demonstraram que menos de 50% dos educadores acreditavam que o TDAH seria uma doença que demandasse tratamento medicamentoso, o que já evidencia um grande desconhecimento sobre o transtorno – deve-se ressaltar que o desconhecimento era evidente também em grande parte dos profissionais de saúde.
Apesar de os dados serem relativamente antigos, é provável que ainda estejamos convivendo com panorama relativamente semelhante, o que pode dificultar esta investigação. É comum que a ausência de relato escolar – em algumas situações por recusa da escola que não teve informações sobre a importância deste relato para a investigação – demande que pais tenham que responder perguntas sobre o comportamento de seus filhos na escola, embora eles mesmos não tenham como observá-los neste ambiente. Idealmente, a investigação diagnóstica deve ter pais relatando sobre os sintomas em casa ao passo que o melhor informante para o ambiente escolar é obviamente o professor (Nijs e cols, 2004). Por outro lado, adolescentes – e naturalmente as crianças – tendem a minimizar seus sintomas (Rohde e cols, 1999), o que novamente remonta à necessidade de ter informações dos professores.
É inegável que investimentos em conhecimento sobre o transtorno e suas manifestações mais comuns em sala de aula poderão melhorar a qualidade de vida de indivíduos que permanecem sem diagnóstico. Uma curtíssima e simples experiência britânica nos mostra que o treinamento dos professores pode ser mais simples e barato do que poderíamos imaginar. Sayal e colaboradores (2006) realizaram treinamentos curtos com 96 professores com duração de aproximadamente 45 minutos, além de fornecerem materiais por escrito com informações sobre manifestações do TDAH na escola, necessidade de os sintomas estarem presentes em mais de um ambiente e estratégias em sala de aula. Em momentos anteriores à intervenção, os professores eram capazes de identificar 32% dos alunos com TDAH; após a brevíssima intervenção, foram capazes de identificar 50% daqueles com TDAH. Mais importante é ressaltar que os 96 professores correspondiam a um universo de 2672 alunos, evidenciando que um grande potencial de crianças e adolescentes que podem ser beneficiados. Para os que considerarem os resultados modestos, devemos também observar que o estudo teve intervenção extremamente reduzida, porém mostra o potencial que estratégias um pouco mais longas podem ter.
Naturalmente, o diagnóstico de TDAH será sempre responsabilidade do clínico e jamais de professores. Porém, os professores trazem consigo um considerável “banco mental” de comportamentos que ocorrem com maior ou menor frequência em faixas etárias específicas, o que permite a identificação daqueles alunos com comportamentos discrepantes dos demais. É compreensível a formação de acadêmicas careça de treinamento específico de psicopatologia, porém estes ocupam papel de observador exatamente em um dos ambientes nos quais a sintomatologia do TDAH pode ser tornar mais evidente. Este “banco mental” de professores não deve ser desprezado, mas sim refinado e utilizado como um grande aliado para solicitar avaliação clínica quando necessário, para relatar sintomas dentro de sala de aula e, quem sabe, para aplicar estratégias em um futuro não tão distante.
Escrito por: Gabriel Coutinho é neuropsicólogo do Centro de Neuropsicologia Aplicada (CNA) e Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), professor do Centro Universitário Celso Lisboa (UCL), além de membro das diretorias da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) e Associação de Terapias Cognitivas do Rio de Janeiro (ATC-Rio)